Abstract:
Esta tese resultou da investigação sobre o programa educacional para boas práticas de saúde que um hospital da rede privada localizado no sul do Brasil, nomeado na tese como Maxcárdio, realiza com portadores/as de Síndrome Coronariana Aguda e Insuficiência Cardíaca Congestiva. Adotou-se o aparato teórico – metodológico da Análise da Conversa (SACKS, 1992; SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 1974) para analisar 25 interações ocorridas entre pacientes e profissionais médicos/as e não médicos/as – enfermeiros/as, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos/as – integrantes da equipe multidisciplinar responsável pelas orientações aos/às pacientes. As interações foram gravadas em áudio e em vídeo e transcritas segundo Jefferson (1974). Os objetivos da tese foram: (a) verificar como os/as profissionais de saúde responsáveis pela efetuação do programa educacional recomendam ou prescrevem boas práticas de saúde no turno a turno de modo a discutir quais maneiras de falar mostram-se mais (potencialmente) particularizadas ou generalizadas em relação às necessidades demonstradas (ou não) pelos/as pacientes na interação e, a partir dessa discussão, apontar tendências de (não) adesão aos autocuidados recomendados ou prescritos por parte dos/as pacientes; (b) apresentar um percurso empírico representativo do programa educacional concernente à maneira como os/as participantes negociam, no turno a turno, direitos e obrigações de saber (domínio epistêmico) e de dizer (domínio deôntico) (HERITAGE, 2012; STEVANOVIC, 2011) o que (não) pode e/ou (não) dever ser feito em termos de boas práticas de saúde e, assim, discutir as implicações interacionais e práticas relacionadas às negociações entre os/as participantes em torno de direitos e obrigações de recomendar ou prescrever boas práticas de saúde; (c) discutir os modos de organização de prestação de serviço de orientação para boas práticas de saúde à luz do princípio da integralidade (BRASIL, 1998; MATTOS, 2005a). No que toca às maneiras de falar dos/as profissionais verificou-se que a particularização tende a ocorrer quando os/as profissionais instauram cursos de ação de modo a: (a) (tentar) remover empecilhos ao aceite do/a paciente à recomendação em favor de alguma boa prática de saúde; (b) desviar da ação de prover informações contidas nos manuais de boas práticas de saúde dos programas e demonstrar conhecimento sobre aspectos peculiares ao estado de saúde do/a enfermo/a; (c) justificar a indicação para a adoção de certa medida de cuidado de saúde. No que se refere à maneira como profissionais e pacientes negociam domínios epistêmicos e deônticos, observou-se que: (a) os/as profissionais não médicos/as colocam-se na posição de alguém com direitos e obrigações de saber e de dizer como pacientes devem controlar seu quadro de saúde; (b) os/as pacientes não ratificam os direitos e obrigações desses/as especialistas não médicos/as de saberem e poderem dizer-lhes como proceder no pós-alta; (c) os/as profissionais médicos/as abordam boas práticas de saúde em turnos de fala em formato de lista, o que conflita com a expectativa dos/as pacientes de discutir tais tópicos de maneira pormenorizada. Por fim, apurou-se que o modo de organização de prestação de serviço de orientação a pacientes que participam do programa Maxcárdio aproxima-se de ações assistenciais integrais (AYRES, 2004) à medida que os/as profissionais produzem falas capazes de estabelecer uma sequência de demonstração de necessidade de orientação a partir de solicitações de informações sobre se e como o/a paciente cuida de sua saúde. A contribuição teórica desta tese traduz-se na proposta de inclusão do aspecto modo de organização sequencial de tópico na descrição do princípio de fala ajustada (SACKS, 1992; SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 1974). O modo como as sequências de tópicos são organizadas na interação mostra-se relevante para o grau de particularização que as falas dos/as interlocutores podem alcançar na conversa. Em termos aplicados, visto que ofertar recomendações ou prescrições ajustadas às necessidades dos/as pacientes interlocutores/as locais implicar saber se e como os/as doentes controlam seu estado de saúde, sugere-se que se parta da ação de solicitar informações acerca das experiências de sucesso e das dificuldades que os/as pacientes encontram para cuidar da saúde para, então, ter material interacional para orientá-los/as de forma particularizada.