Resumo:
Este trabalho toma a cobertura da Folha de S. Paulo sobre a crise econômica de 2008 como objeto para um estudo do jornalismo como forma de conhecimento. O objetivo foi compreender como foi realizada a cobertura da crise, do ponto de vista dos tipos de conteúdo que produziu, das perspectivas e explicações que adotou, das posturas políticas defendidas, em suma, das prioridades editoriais desenvolvidas pelo veículo. Adota-se a perspectiva de que o jornalismo é uma forma de conhecimento social cristalizada no singular, que realiza a mediação entre os fatos e o público, caracterizando-se, enquanto conhecimento, por sua comunicabilidade. Sustentamos que contradições sociais estão envoltas no processo de significação jornalístico, o que justifica um estudo abrangendo abordagens informativas e opinativas, mantendo-se a essência no singular. Tratamos da ascensão e das características do neoliberalismo como projeto de classe hegemônico, que também é apontado como matriz de explicação para a crise econômica tema do trabalho. O jornalismo de economia, por sua vez, é o espaço pelo qual se percebe a relação do jornalismo com projetos político-econômicos, particularmente, o neoliberalismo, a transformar as pautas e formas de organização do jornalismo. A análise da cobertura realizada pela Folha de S. Paulo tem como corpus 6.176 textos jornalísticos de diferentes tipos e as manchetes de capa das 243 edições publicadas pelo jornal entre agosto de 2008 e março de 2009, período de maior acentuação da crise, incluindo impactos na economia brasileira. Pudemos observar a intensidade com que a crise foi acompanhada ao longo das semanas, destacando-se a quebra do Banco Lehman Brothers como marco efetivo da explosão do número de matérias. No decorrer dos meses, há mudanças de foco na cobertura, notadamente migrando do mercado financeiro para os governos; do exterior para o Brasil. As formas desenvolvidas pelo jornalismo de economia representam a estruturação básica da cobertura, do ponto de vista de temáticas, fontes e outros elementos. Identificamos, nas posições político-econômicas defendidas pelo jornal em editoriais e relacionadas aos destaques de capa, uma ênfase no dever do Estado em resolver os problemas trazidos pela crise, expressando, nesse ponto, a visão da ortodoxia neoliberal, pois assenta sua posição no corte de gastos públicos, flexibilização das leis trabalhistas e direito inquestionável das empresas de demitir. Aponta-se a maior participação de ex-integrantes do governo como de autores não jornalistas que compõem a contextualização dos acontecimentos da crise. Há uma ênfase no ponto de vista do mercado financeiro para observar os eventos e espaços generosos às entidades empresariais, ao contrário do que ocorre com os movimentos sociais e representação de trabalhadores. O econômico e o político estão inter-relacionados, tendo o jornalismo parte nesse contato, no caso da crise, reforçando a perspectiva hegemônica neoliberal. Conclui-se que, embora seja engendrada por concepções neoliberais, a cobertura se desenvolve baseada em formas de conhecer criadas pelo jornalismo.