Resumo:
A necessidade de se pensar a redação de vestibular como oriunda de uma situação de enunciação que mobiliza uma estrutura trinitária (eu/tu/ele) é o que motiva este trabalho. Assim, nosso objetivo é examinar essa forma específica de enunciação em sua complexidade, por ser escrita, para tentar compreender como os vestibulandos
se instituem como locutores (a fim de co-construir o mundo (referente) que a
Universidade propõe através da proposta de redação), para agir sobre o alocutário
na situação em que se encontram (intentado). Nosso foco centra-se em um corpus
de três redações que trazem observações críticas, escritas no próprio texto, feitas pelos avaliadores, no que diz respeito a problemas de argumentação; além disso, a proposta que orienta tais redações também faz parte deste estudo. As questões que norteiam nosso trabalho são: 1) Que desdobramentos a situação enunciativa redação de vestibular apresenta? 2) Como se instauram o eu e o tu nos diversos desdobramentos enunciativos implicados nessa situação específica? 3) Que movimentos enunciativos o locutor aluno faz para construir o referente e para promover ação sobre o tu -leitor? Nossa pesquisa fundamenta-se na teoria da enunciação de Émile Benveniste e alinha-se ao conjunto de trabalhos que se inscrevem no que ele chama de translinguística, destinada ao tratamento de textos, obras, formas complexas de discurso. Recorremos ao trabalho pioneiro de Mello (2012), que, com base em Benveniste, propõe cinco princípios para o tratamento textual, em uma perspectiva enunciativa, a partir do pressuposto de que o sentido de um texto pode ser depreendido de sua sintagmatização no plano global e analítico. Focaremos nossa análise nos princípios: o texto é um índice global de subjetividade, o texto cria referência e o texto constitui um modo de ação do locutor sobre
o alocutário. O trabalho permite concluir que: não do mesmo modo, o(s) locutor(es)
dialoga(m), tanto com o alocutário-proponente quanto com o alocutário-leitor. Nas
redações analisadas, instaura-se o quadro figurativo, ou seja, constrói-se uma enunciação de retorno a uma demanda, numa relação intersubjetiva com o tu -
institucional, assim como em todas as redações é atribuído um lugar ao leitor para a
co-construção do sentido. É nesse espaço de intersubjetividade que o vestibulando
evidencia suas posições sobre o tema do vestibular, buscando a adesão do leitor.
Olhadas como produto, essas redações foram consideradas fracas do ponto de vista
do desenvolvimento do tema e da argumentação. Sob o olhar enunciativo, todas elas
atenderam à proposta, porém de modos particulares. Findamos, então, destacando
que, embora a circulação da redação de vestibular seja restrita, na sociedade, ela é
uma prática social e, como tal, mobiliza a língua em seu uso concreto.