Resumo:
A presente dissertação tem por objetivo discutir e explorar a relação da ciência com a
noção de verdade tendo como principal referência o pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976). Trabalhamos com a hipótese de que as modernas ciências não têm como parte do seu horizonte metodológico uma preocupação em explicitar e mesmo em entender o que significa propriamente quando falamos que algo (normalmente um juízo) é verdadeiro. Embora concebamos facilmente que a metodologia científica desenvolvida desde a modernidade seja capaz de fundamentar a verdade de proposições ou juízos, não cabe a esta mesma metodologia um momento de reflexão e discussão com vistas à fixação do sentido conceitual da noção de verdade. À luz deste problema, a pesquisa se divide em três partes. Na primeira, buscamos efetuar algumas reflexões acerca da relação entre filosofia e ciência, tendo em vista dois objetivos principais: i) pretendemos sustentar que o pensamento heideggeriano apresenta uma posição, não essencialmente positiva, mas também não estritamente hostil às ciências, tal como comumente se interpreta; e ii) intencionamos demonstrar de que maneira a reflexão filosófica sobre conceitos fundamentais (Grundbegriffe) implica e aparece na metodologia das ciências (relativamente a sua origem, seus resultados, limites e pressupostos) apesar de sua autonomia e independência em relação à filosofia, deflagradas sobretudo em
meados do século XIX. Na segunda parte, buscamos sustentar que a noção filosófica tradicional de verdade enquanto adaequatio (adequação, correspondência ou concordância entre juízos e objetos) é a noção proeminente no discurso científico. Faremos isso apresentando de que modo Heidegger compreende que a noção tradicional de verdade alcança seu desenvolvimento na história da filosofia e permanece sempre inconteste mesmo em filósofos da modernidade centrais para as conquistas metodológicas posteriores da ciência, de onde se segue a concepção comum e insuficiente de ciência como a totalidade de um conjunto de fundamentação de proposições verdadeiras. Na terceira e última parte, buscamos explicitar e avaliar a abordagem de Heidegger em relação ao conceito de concordância. Mostraremos que essa abordagem se situa principalmente em Ser e Tempo como a tarefa de pensar o desvelamento como o fenômeno originário da verdade. Aqui, a investigação filosófica sobre o sentido de verdade liga-se ao empreendimento da analítica existencial do ser-aí, justamente porque o verdadeiro, segundo a compreensão de Heidegger, seria uma implicação de um de seus modos de ser (seria um existencial e não uma simples capacidade cognitiva). Em síntese, buscamos a aproximação e a interlocução deste nível de verdade existencial, que extrapola o alcance das ciências naturais, com a proposicional – cujo valor de verdade pode ser fundamentado por estas.