Resumo:
Em uma sociedade que se organiza, centralmente, em torno de práticas letradas, é evidente a importância que a leitura tem para o pleno exercício da cidadania. Essa prática é alvo das mais diversas críticas e sua responsabilidade é, frequentemente, atribuída diretamente à escola e, especialmente, aos/às professores/professoras de Língua Portuguesa. Diante disso, nosso estudo, de base qualitativa (CRESWELL, 2007), teve como principal objetivo analisar verbalizações de duas professoras de Língua Portuguesa que emergem no contexto de formação continuada para compreender o que revelam quanto às concepções de leitura, os objetivos, sentidos e limitações do agir docente envolvendo essa prática de linguagem e quanto ao percurso formativo em que se engajaram ao longo do ano de 2021. Para tanto, nossos dados foram gerados no contexto do percurso de formação continuada proposto pelo Grupo LID - Linguagem, Interação e Desenvolvimento, em parceria com a Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo (RS), ao longo de 2021, a partir do qual as verbalizações foram transcritas desde uma perspectiva linguístico-interacional e analisadas segundo princípios do modelo de arquitetura textual e em outros pressupostos do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999) para a análise do agir linguageiro. As análises também se articulam ao nosso referencial teórico, no que diz respeito à leitura, embasadas, por exemplo, por Freire (1989), Rojo (2004), Kleiman (2008), Cafiero (2010) e Almeida (2020), e à decolonialidade, sustentadas por autores/autoras como Castro-Gomez (2007), Gomes (2012), Mignolo (2018), Walsh (2018) e Cadilhe (2020). Os resultados sugerem que é muito latente, na verbalização das professoras, a concepção de leitura como atividade cognitiva, o que parece limitar os objetivos para o trabalho com essa prática e, consequentemente, impactar os resultados das atividades desenvolvidas. No entanto, essa concepção é negociada e tende a se modificar, durante os encontros, através das interações e tensionamentos entre as professoras e os/as formadores/formadoras, indicando-nos para a abertura de uma rachadura decolonial (WALSH, 2018) que possibilite ressignificar (o trabalho com) a leitura. Com isso, temos indícios de que: (i) o percurso de formação impulsiona o desenvolvimento profissional das professoras, ao se engajarem em um processo reflexivo sobre seu agir, e pode contribuir para uma virada decolonial no ensino de leitura; (ii) as ações de formação parecem se constituir como uma atitude decolonial, ao colocarem em diálogo diferentes saberes/fazeres, contestando o status hegemônico da academia. Será necessário, porém, seguir problematizando o ensino de leitura e qualificando, ainda mais, as ações formativas, a fim de contribuir para o contexto da educação escolar pública orientada para a formação cidadã dos/as estudantes.