Resumo:
Diante da complexificação dos processos sociais, da exacerbação da individualidade, da intolerância e da incivilidade, de uma tendência conservadora e extremista, de comportamentos nocivos e destrutivos, e dos desafios impostos pelas mudanças climáticas, os indivíduos passam a estranhar a própria realidade e a temer pelas possibilidades pessimistas de um futuro cada vez mais incerto. Neste cenário, as narrativas distópicas se tornam, mais do que imaginações sobre o amanhã, alertas para a sociedade hoje. A partir da proposta de Ursula K. Le Guin (2014) de que as obras de ficção científica devem ser lidas como “experimentos mentais”, a pesquisa objetiva compreender como cada realização audiovisual em estudo constrói sua experiência distópica específica e examinar o que os casos, em conjunto, propõem como distopia a partir da realidade social. Foram selecionadas três produções audiovisuais para a análise: Fahrenheit 451 (1966), a série de filmes Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2012 - 2015) e a minissérie Years and Years (2019). Como encaminhamento metodológico, adotou-se o paradigma indiciário, a partir dos trabalhos de Carlo Ginzburg (1989) e José Luiz Braga (2008). Em cada caso, a pesquisa visou investigar e articular indícios e inferências que possibilitassem apreender a distopia construída tanto no nível narrativo quanto na estrutura geral do objeto. Buscou-se, no cotejo das lógicas internas de cada caso, inferências transversais que revelassem o que o conjunto propõe como distopia. Neste nível, foi possível verificar de que forma as experiências distópicas exploram e potencializam aspectos da realidade e como, ao alertar a sociedade, as distopias podem estimular a reflexão e a ação dos participantes sociais diante de possibilidades preocupantes e sombrias.