Resumo:
O advento das tecnologias digitais e as modificações por ele deflagradas no modo de viver e ser em sociedade deram origem a uma nova cultura, a cultura digital (LÉVY, 1999). Há, nessa cultura, especialmente em ambientes digitais de interação, novas práticas de linguagem, que originaram novos gêneros de texto carregados de múltiplas semioses que vão além da linguagem verbal. No entanto, parece que esses novos gêneros pouco espaço têm ganhado nas aulas de Língua Portuguesa na escola. Considerando tal cenário, esta pesquisa procura compreender como professoras de Língua Portuguesa, em formação continuada, desenvolvem um projeto didático de gênero (GUIMARÃES; KERSCH, 2012; 2014) à luz dos multiletramentos e do trabalho com gênero da cultura digital e como a reflexão sobre esse trabalho pode potencializar a ressignificação de suas práticas docentes. Para isso, a fundamentação teórica é baseada nos estudos sobre a cultura digital e suas repercussões e impactos no contexto escolar (LÉVY, 1999; LOPES; SCHLEMMER, 2011; SCHLEMMER; DI FELICE, 2020), na perspectiva de multiletramentos no ensino e aprendizagem de língua materna, a partir dos estudos do Grupo de Nova Londres (1996), do que é prescrito na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) e, especialmente, dos pressupostos do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999; 2006a), que amparam reflexões sobre o trabalho do professor e desenvolvimento profissional docente. Esta pesquisa, de base qualitativa (CRESWELL, 2007), mobiliza, na geração e análise de dados, registros videogravados de interações produzidas durante encontros remotos de formação continuada realizados com professoras de Língua Portuguesa e/ou coordenadoras pedagógicas atuantes em uma rede pública de ensino, durante a pandemia de Covid-19, no ano de 2020. Das interações realizadas nesse contexto, são analisadas as verbalizações de três profissionais, em diferentes momentos da formação, procurando identificar pistas linguístico-discursivas que evidenciem os movimentos de ressignificação da sua prática docente, especialmente no que concerne ao trabalho com gêneros da cultura digital e multiletramentos a partir do trabalho com projetos didáticos de gênero. Para a análise de dados é utilizado o modelo da arquitetura textual de Bronckart (1999), alinhado também aos princípios dos estudos dos campos da cultura digital e dos multiletramentos. Os resultados sugerem que as profissionais, através do desenvolvimento do projeto didático de gênero, apropriaram-se de gênero próprio da cultura digital e das tecnologias digitais que o envolvem e revelaram, a partir da reflexão crítica sobre seu trabalho e processo de tomada de consciência por elas expresso verbalmente, promovidos e incentivados nos encontros de formação continuada, pistas de desenvolvimento profissional docente e de ressignificação de suas práticas de ensino.