Resumo:
Com os processos de medicalização da vida das populações e a institucionalização da assistência ao parto, esse passou a ser visto apenas como um evento puramente biológico, desconsiderando sua complexidade, individualidade e inserção sociocultural. Esse processo veio acompanhado pela perda de autonomia da mulher e pela transferência de algumas decisões aos profissionais da saúde quanto a condutas sobre o corpo feminino e o parto. No Brasil, esse modelo de atenção ao parto levou a necessidade de criar estratégias que visem modificar e melhorar a assistência à saúde da mulher e da criança, entre elas, o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Diante disso, torna-se pertinente a problemática de questões que permeiam a transição paradigmática dos modelos de atenção ao parto e nascimento. Por isso, esta pesquisa teve o objetivo de analisar as experiências das mulheres em relação à assistência ao parto e nascimento numa maternidade de Porto Alegre, RS, tentando captar se as mudanças institucionais referentes à humanização do parto e nascimento estão refletindo nessas experiências. Para isso, foi realizado um estudo qualitativo, de abordagem etnográfica. Para a coleta de dados foi utilizada a técnica de observação participante e entrevistas semi-estruturadas. A pesquisa de campo ocorreu entre os meses de novembro de 2014 e janeiro de 2015. Participaram deste estudo 25 mulheres puérperas, com idades entre 17 e 38 anos que receberam assistência durante o trabalho de parto, parto e pós-parto nessa maternidade. Os relatos das participantes e as anotações do campo foram examinados por meio da análise de discurso. Os resultados mostraram que existe uma movimentação institucional na tentativa de implantar as políticas de humanização do parto e nascimento, que foi reconhecida pela maioria das participantes e contribuíram para que elas tivessem uma boa percepção da assistência recebida. No entanto, também foi observada uma abundância de práticas tecnocráticas de atenção ao parto, onde persiste o uso rotineiro de intervenções obstétricas. Dessa maneira, as práticas consideradas humanizadas vêm acontecendo de forma muito fragmentada, como se fosse apenas mais um protocolo de rotina que precisa ser cumprido. Sendo assim, percebemos que ainda é necessária uma transformação profunda da lógica de assistência, da relação dos profissionais da saúde com as mulheres gestantes e parturientes, (re)criando uma intersubjetividade que favoreça o protagonismo da mulher no processo de parto/nascimento e seu bem-estar para além do cumprimento de normativas, protocolos e metas institucionais.