Resumo:
A presente pesquisa busca identificar o papel das relações sociais na conformação do espaço urbano da Vila de Santa Maria da Boca do Monte, Província do Rio Grande do Sul, na segunda metade do século XIX, até meados da década de 1870. Parte-se das atas da Câmara Municipal, mais especificamente dos requerimentos de terrenos registrados nessa documentação, a fim de localizar os indivíduos atuantes no contexto de distribuição de terras urbanas. A constatação de um significativo contingente social alemão pedindo e recebendo lotes evidencia uma questão étnica que é observada primeiramente sob a perspectiva da Câmara Municipal e, depois, através dos próprios alemães. As concessões realizadas pelo poder legislativo local e o consequente embate com a Província propiciam uma discussão acerca da legislação fundiária brasileira oitocentista, de onde busca-se compreender o posicionamento de duas instâncias diferentes do poder público. Nesse sentido, estabelece-se um diálogo com temas mais amplos, de impacto regional e nacional, como a inserção e a integração urbana de imigrantes alemães no século XIX e a reestruturação fundiária brasileira pós-Lei de Terras, a partir de 1850. Metodologicamente, este trabalho tem como inspiração a micro-história italiana, privilegiando a observação dos comportamentos e das relações sociais dadas em um espaço circunscrito. As fontes utilizadas, especialmente as atas camarárias, os inventários post-mortem e os registros matrimoniais, apontam para critérios de fundo étnico e parental sustentando e condicionando as relações e os comportamentos na realidade estudada. Por meio da avaliação das práticas desenvolvidas pelos agentes no contexto de apropriação de terrenos, evidencia-se, portanto, o influxo da articulação de uma coletividade sobre a conformação e a ocupação do espaço urbano santa-mariense.