Resumo:
Refletindo sobre a decisão judicial na perspectiva da fundamentação, este estudo tem como um dos seus objetivos demonstrar que, para além de se constituir no ato que põe fim ao processo, a decisão judicial, desde que fundamentada nos termos estabelecidos na Constituição Federal, art. 93, IX e do § 1º do artigo 489, do Código de Processo Civil de 2015, é um ato complexo que se legitima a partir de sua fundamentação, cuja concepção é atravessada por paradigmas que atuam como elementos vinculantes, aqui chamados de dimensões paradigmáticas significativas, na construção do sentido que é dado à obrigação de fundamentar. São elas que, sob três perspectivas distintas, constituem a estrutura da fundamentação das decisões judiciais do ponto de vista filosófico, histórico e jurídico, daí se dizer que sua estrutura, além de tridimensional, é também ontológica, porque diz respeito ao sentido do ser do dever de fundamentação. No modelo de Estado Democrático de Direito será a presença do conjunto dessas dimensões, devidamente alinhadas àquele modelo, que vai fazer com que uma decisão judicial se considere fundamentada. Por se tratar de elementos estruturantes, é a partir do modo como eles se apresentam que se pode dizer quando uma decisão judicial se encontra fundamentada, hipótese que se traduzirá em uma resposta hermeneuticamente adequada para o caso concreto e justificada na Constituição Federal. A ausência de um desses elementos, a inconsistência de um ou outro, assim como a incompatibilidade com o modelo de Estado que se justifica, implica a nulidade da decisão por ausência de fundamentação ou fundamentação deficiente. Por se tratar de uma concepção atravessada por paradigmas que, em momentos diferentes e ao longo da história, irão influenciar na construção do sentido de um dever judicial, a fundamentação se estrutura a partir de três pilares de sustentação, sendo que, nesta tese, será demonstrado que cada um deles, isto é, as dimensões paradigmáticas, tem um significado e representa uma passagem, uma mudança de paradigma. É essa compreensão que determina o modo como é recepcionado, pela dogmática jurídica, o detalhamento da fundamentação das decisões judiciais, estabelecido no § 1º do art. 489 do Código de Processo Civil, que, por estabelecer uma conexão direta com a Constituição Federal, realiza e concretiza a norma constitucional prescrita no inciso IX, do artigo 93, razão pela qual, por conjugar os elementos que compõem a tríplice dimensão da fundamentação, no referido dispositivo legal se identifica a melhor expressão do caráter paradigmático da fundamentação das decisões judiciais, visto que, refletindo o impacto das três dimensões: (i) pressupõe a adoção de um processo como procedimento em contraditório, caracterizado por um conjunto de atos preparatórios visando à prática de um provimento final, a sentença, como resultado de um discurso público, de uma prática intersubjetiva e compartilhada, no que reflete a superação do paradigma da subjetividade pelo paradigma da intersubjetividade (perspectiva filosófica); (ii) reflete a passagem de uma concepção de legitimidade da decisão judicial baseada exclusivamente no argumento de autoridade, ou como ato de vontade, para uma necessidade, por força da responsabilidade política que assume, por parte do juiz, de prestação de contas (perspectiva histórica); (iii) indica o movimento de deslocamento de um modo de conceber o fenômeno jurídico com um viés mais privatista para uma concepção pública, constitucionalizada e democrática do direito, consagrador de sua autonomia e de seu triunfo sobre os agentes externos que pretendem corrigi-lo (perspectiva jurídica). Por força do seu caráter paradigmático, pode-se dizer que todas as condições tidas como indispensáveis para considerar fundamentada uma decisão podem ser universalizadas, o que aponta para o fato de que o referido dispositivo legal se constitui em um dever geral de toda a magistratura brasileira, ainda que não se ignore as resistências à sua aplicação, sendo que esta pesquisa é desenvolvida na perspectiva contrária à resistência ao detalhamento do dever de fundamentação contido no artigo 489, § 1º, do CPC, da necessidade de seu enfrentamento, e da possibilidade de superação à luz da hermenêutica filosófica, ainda que se reconheça que a (in)compreensível resistência ao dever de fundamentar é uma questão de paradigma.