Resumen:
O período reprodutivo é um momento crítico da história de vida de uma ave marinha. Devido à necessidade de alternar entre viagens de forrageio e o atendimento ao ninho, os indivíduos sofrem restrições na sua distribuição e no uso de recursos, o que por sua vez provoca o aumento da competição intraespecífica. O petrel-gigante-do-sul (PGS) Macronectes giganteus é uma espécie predadora de topo no Oceano Austral com hábitos alimentares generalistas e que apresenta marcado dimorfismo sexual de tamanho. Como estratégia para reduzir a competição, fêmeas e machos costumam apresentar segregação no uso de recursos e de habitats, que varia temporalmente e em intensidade conforme o grau de restrição em cada estágio reprodutivo. Estudos indicam que indivíduos de espécies generalistas como o PGS podem minimizar ainda mais a competição através da redução da sua amplitude de nicho, se tornando especialistas a nível individual. Devido às dificuldades logísticas, PGS reproduzindo na região antártica são pouco estudados quanto a aspectos tróficos e espaciais em relação à outras regiões onde a espécie também reproduz. O objetivo geral dessa dissertação é descrever a ecologia espacial e trófica de uma população antártica de petrel-gigante-do-sul ao longo do período reprodutivo. Dados de rastreamento remoto foram utilizados para estimar as áreas de forrageio (AF) de PGS e quantificar o grau de sobreposição intersexual ao longo dos diferentes estágios reprodutivos (incubação, guarda e criação) em uma população reproduzindo na Ilha Elefante, Antártica Marítima; AF individuais foram utilizadas para estimar a consistência individual no uso do espaço ao longo desses estágios. As razões dos isótopos estáveis de carbono (δ 13C) e nitrogênio (δ 15N) foram analisadas em diferentes tecidos (hemácias e penas) para investigar variações temporais nos no uso de recursos e do habitat e no grau de sobreposição intersexual do nicho isotópico, bem como a existência de consistência individual. Os resultados demonstraram que ao longo da estação reprodutiva fêmeas e machos estiveram altamente sobrepostos espacialmente; ambos forragearam em águas pelágicas da zona Antártica até a zona Subantártica. A maior restrição na distribuição ocorreu durante o estágio de guarda, quando o filhote ainda depende dos pais para sua termorregulação e necessita de alimentação constante. Os nichos isotópicos estiveram sobrepostos em todos os estágios, exceto no estágio de criação quando as restrições reprodutivas são menores, mas a restrição na disponibilidade de alimentos é maior, aumentando a competição por recursos. As posições dos nichos variaram entre os períodos, principalmente em termos de massas de água utilizada, refletindo as mudanças nas áreas de forrageio conforme a necessidade de alimentação do adulto e do filhote. Os machos geralmente se alimentaram de presas em maior nível trófico que as fêmeas, exceto na incubação. Os PGS apresentaram uma alta consistência individual no uso em larga-escala do espaço ao longo dos estágios, no entanto, ao contrário do esperado, não foi encontrada especialização individual no uso de recursos ou do habitat devido a uma alta variação interindividual em ambos os eixos do nicho isotópico. Esse é o primeiro estudo a unir a análise da distribuição espacial à análise trófica do PGS em uma escala temporal correlata e a reportar a distribuição reprodutiva de PGS oriundos da Antártica. Os padrões de segregação sexual encontrados nesse estudo estão consistentes com os resultados para populações subantárticas e patagônicas. A ausência de consistência individual no nicho isotópico sugere que os PGS da Ilha Elefante sejam uma população generalista do tipo A, na qual todos os indivíduos são generalistas. Sugere-se, no entanto, que a variação intraindividual ainda deva ser investigada levando em conta diferentes fases do ciclo anual, estações reprodutivas de diferentes anos, e as variações nas condições ambientais.