Abstract:
A proteção a indivíduos que não estão seguros em seus domicílios é prática que se desenvolveu junto com o direito ocidental, impondo diferentes requisitos para permitir que um “estranho” seja amparado por outro Estado. Nesse sentido, o direito internacional dos refugiados fundamenta-se no direito ocidental e direciona-se, predominantemente, a um grupo seleto, os refugiados da Convenção de 1951 e do Protocolo Adicional de 1967. Entretanto, a definição de “refugiado” contemplada nesses tratados volta-se a um indivíduo específico, que servira de argumento político-ideológico para as potências Ocidentais na Guerra Fria, e, consequentemente, não ampara todos os fluxos. Ao encontrar o Sul Global, o conceito de refugiado adotado pela ONU mostrou-se insuficiente. Assim, na África e na América Latina foram instituídas novas definições de “refugiado” com a Convenção da OUA e a Declaração da Cartagena, e que demonstram que as causas de refúgio do Sul estão vinculadas ao colonialismo e às intervenções das grandes potências. Ocorre que, embora o conceito de refúgio originado no Sul global seja mais protetivo do que o da Convenção de 1951, ele não é aplicado com pretensão de universalidade pela ONU. O presente trabalho tem, portanto, por objetivo compreender o vínculo existente entre a não aplicação, pela ONU, do conceito do Sul de refúgio e a colonialidade. Em vista disso, busca comparar as fundamentações das definições de refugiado da Convenção de 1951, do Protocolo Adicional de 1967, da Convenção da OUA e da Declaração de Cartegena, bem como os contextos no quais se inserem; além de examinar a relação entre a colonialidade e modernidade, e a construção da colonialidade do poder, do saber e do ser, para compreender como as epistemologias do Sul, aliadas às TWAIL, podem fundamentar a ampliação do conceito de refugiado. Ademais, procura reconhecer o refugiado enquanto o “outro”, um outsider, para que se possa conhecê-lo pelas lentes decoloniais, e como essa condição relaciona-se à negativa de aplicação dos conceitos da Convenção da OUA e da Declaração de Cartagena pela ONU com pretensões universais. Examina-se o vínculo entre a não aplicação do conceito do Sul de refugiado com as bases clássicas do direito internacional, com a manipulação da linguagem de direito e com “quem fala pelo refugiado”, bem como com a centralização da possibilidade de ampliação do conceito de refugiado no ACNUR. Com a aplicação dos métodos dialético, monográfico, histórico e comparativo, verificar-se-á que a não aplicação do conceito de refugiado que considera aqueles que fogem da violência generalizada, da agressão, dominação ou ocupação estrangeira, dos conflitos internos, da violação maciça de direitos humanos ou de outras circunstâncias que perturbem a ordem pública, está relacionada ao locus em que essa definição surge, o Sul global, pois sua não aplicação reafirma o ethos eurocêntrico do direito internacional, além apontar para as características da colonialidade do saber e do ser, e demonstrar a relação entre poder e conhecimento, restringindo a definição de refugiado a um organismo internacional que sofre com as influências dos Estados hegemônicos.