Resumen:
O trabalho apresentado nas presentes páginas almejou identificar traços da digitalização da música seguidamente associados ao século 21 na Somtrês, revista mensal de música que circulou nas bancas do país entre janeiro de 1979 e janeiro de 1989. A Somtrês se diferenciava de outras publicações similares da época por se dedicar de forma mais detida não apenas à tradicional agenda relativa a lançamentos de discos, coberturas de shows e entrevistas com artistas, mas também a tecnologias musicais de gravação e reprodução de áudio. E, nesse intervalo de uma década de existência da revista, despontou todo um conjunto de transformações e inovações tecnológicas no campo da produção e reprodução de áudio e também de vídeo, a exemplo do CD e da fita DAT, da fita VHS e do subsequente mercado de locadoras de vídeo e de videocassetes e filmadoras, e dos dispositivos (não só instrumentos, não só de teclado) digitais e polifônicos voltados à síntese e amostragem de áudio (respectivamente, sintetizadores e samplers) e de marcação de notas musicais (controladores MIDI). O surgimento e/ou popularização dessas e outras possibilidades de digitalização e armazenamento de dados passíveis de reprodução sonora, de acesso a conteúdos de vídeo para muito além de quando foi originalmente veiculado no cinema ou na televisão, e de gravação e criação de registros musicais no ambiente doméstico, bem como da intensificação do alarde relativo à ameaça da pirataria resultante de todas essas inovações, se deu com mais intensidade na segunda metade da década de 1980, razão pela qual, neste trabalho, foram analisadas sobretudo matérias extraídas das últimas 40 edições da revista, notadamente a partir da estreia, em suas páginas, da seção Instrumentos. A análise se deu com base em um exercício metodológico de tomar o discurso da revista enquanto um objeto, exercício fundamentado nos conceitos teóricos de “arqueologia das mídias” e de “materialidades da comunicação”. Enfatizando as descrições e fotos (o “discurso das tecnologias”) dos equipamentos abordados nas matérias da Somtrês, foi realizado uma espécie de “desvio de circuito” das atribuições discursivas originais da revista. Dessa forma, esta pesquisa contempla a revista em seus aspectos menos de “crise” e mais de “inquietação”, ou seja, enfatizar a curiosidade com relação ao advento de determinada inovação tecnológica de produção ou reprodução musical, em detrimento do alarde referente a impactos negativos no mercado que tal advento poderia eventualmente provocar.