Resumen:
A Atrofia Cortical Posterior (ACP) é uma neurodegenerência que afeta a linguagem e, consequentemente, as interações de quem é acometido por essa patologia nas diversas relações cotidianas. Frente a esse quadro, a presente dissertação busca discutir a relação intrínseca entre interação, linguagem e cognição, tendo como objetivo analisar a participação de uma pessoa acometida pela Atrofia Cortical Posterior em interações orais cotidianas, verificando a forma como o discurso se configura no ponto de vista textual-interativo. Esta pesquisa constitui-se em um estudo qualitativo, alicerçado em três campos de investigação: a Análise da Conversação (MARCUSCHI, 1986), os estudos da Narrativa Oral, especificamente, a abordagem das dimensões da narrativa proposta por Ochs e Capps (2001), e a Linguística Textual, especificamente na noção de referenciação (REICHLER-BÉGUELIN, 1988; MONDADA; DUBOIS, 2003; MARCUSCHI; KOCH, 2006). O corpus deste trabalho é constituído por gravações em áudio e/ou vídeo de interações realizadas entre um pesquisador e uma participante diagnosticada com ACP, sem roteiro pré-estabelecido, abrangendo o período entre abril de 2016 e agosto de 2017. A análise desse corpus permitiu constatar que a participante diagnosticada com ACP realiza diferentes estratégias linguísticas e discursivas durante as interações face a face, para interagir em situações cotidianas de conversação. Dentre essas estratégias, destacamos as narrativas coconstruídas que emergem e são integradas ao tópico discursivo da interação. É possível observar em nossos dados que, no contexto da ACP, as narrativas são interacionalmente coconstruídas, não sendo apenas uma forma de relatar fatos, mas, também um processo de construção de referentes com o interlocutor. Nossas análises demonstram que o caráter colaborativo próprio da linguagem se sobrepõe às dificuldades impostas pela patologia da participante, fazendo uso de diversas estratégias sociocognitivas com o objetivo de manter-se ativa no curso da interação. Além disso, as narrativas desempenhadas por Joana, participante do presente estudo diagnosticada com ACP, atreladas ao discurso em jogo, revelam uma característica fundamentalmente de coconstrução, unindo a materialidade textual-interativa que ocorre na performance narrativa com as diferentes formas que ela utiliza ao moldar a ação de contar as histórias com o interlocutor. As análises demonstram que ao narrar uma história, Joana está mais do que simplesmente contando um fato. Através dessa atividade discursiva, a participante coconstrói referentes com o interlocutor, evidenciando o trabalho sociocognitivo próprio da linguagem, em uma atitude colaborativa, conforme propõe Clark (1992; 1996), como sendo um atributo próprio da linguagem, a ação conjunta intrínseca às práticas interacionais cotidianas. Além disso, tais narrativas por apresentarem uma estrutura mais flexível e permitirem a conarração, instauram-se como um espaço interacional por meio do qual Joana ressignifica suas experiências, reativa memórias e negocia sentidos com o interlocutor, demonstrando a atividade sociocognitiva que a auxilia a contornar déficits de linguagem ocasionados pela doença que surgem durante as interações, apoiando-se nos conhecimentos do interagente.