Abstract:
O intuito desta dissertação é apresentar a análise do filósofo Alva Noë acerca do aparelho de substituição tátil visual, o TVSS, criado pelo neurocientista Paul Bach-y-Rita, de modo a responder à seguinte questão: “o cego realmente experiencia a visão ao utilizar o TVSS?”. Para tanto, é necessário entender as teorias as quais baseiam o ponto de vista filosófico de Noë acerca da percepção visual, bem como a importância do TVSS no desenvolvimento de respostas para exercícios mentais filosóficos, tal como o problema de Molyneux. O aparelho de TVSS é uma prótese visual constituída por uma câmera, um receptor de sinais o qual converte os sinais visuais para táteis e um eletrodo conectado à pele do usuário. Nos modelos atuais, o eletrodo, adaptado à língua do usuário, recebe sinais elétricos e estes são interpretados pelo cérebro enquanto sinais táteis pelo córtex somatório sensorial. Após um tempo de adaptação, os sinais são percebidos como visuais. Tal experimento inspirou filósofos e psicólogos a retomarem a questão de Molyneux à Locke, a saber, se um cego congênito, o qual viveu sua vida aprendendo a distinguir objetos apenas com o tato, caso tivesse sua visão restaurada, poderia reconhecer entre a esfera e o cubo qual é qual e, também, nomeá-los corretamente? Enquanto filósofos empiristas como Locke, Berkeley e Molyneux responderam negativamente à questão, alegando que o cego precisa adquirir experiência com o novo canal perceptual, filósofos racionalistas como Leibniz, Synge e Lee responderam positivamente, pois, de acordo com o racionalismo, o cego seria capaz de reconhecer e nomear corretamente os objetos pois já possuiria os conceitos pré-concebidos na mente. Psicólogos como Morgan, Warren e Strelow utilizaram aparelhos de substituição sensorial para responder à Molyneux e suas respostas corroboram Locke por demonstrar que os cegos precisam de um tempo de adaptação aos aparelhos. Alva Noë, por sua vez, atribui uma resposta positiva ao TVSS devido às contingências sensório motoras do usuário. Ou seja, de acordo com sua teoria perceptual, intitulada de abordagem da Enação, para perceber é necessário agir. Deste modo, é movimentando os olhos, aproximando-se de fontes de sons ou de odores que somos capazes de perceber. De acordo com o filósofo, perceber é agir – é utilizando nossas habilidades motoras que somos capazes de perceber. Tal teoria é inspirada na teoria perceptual de nome similar de Varela & Thompson e que, por sua vez, tem bases na fenomenologia de Merleau-Ponty a qual compreende o ser humano como um ser-no-mundo munido de uma percepção enquanto corporificada e envolvido no contexto em que está inserido. A partir destas características, a teoria de Noë, portanto, atribui uma resposta positiva à questão proposta, uma vez que o TVSS possibilita, de acordo com o filósofo, uma espécie de visão devido às similaridades do funcionamento perceptual tátil com o visual humano. A abordagem da Enação de Alva Noë, portanto, aceita o funcionamento do TVSS enquanto visão, pois tal teoria permite uma aproximação entre a percepção tátil proporcionada pelo aparelho e a visão pois ambas as percepções utilizam de conhecimentos sensórios motores.