Abstract:
Compreender porque os retratos da docência brasileira seguem sendo constituídos ora em torno da vocação e da maternidade, ora em torno dos saberes técnicos e profissionais é um desafio que esta Tese assume. Ao escolher a docência brasileira como objeto de pesquisa, a partir de uma perspectiva histórica, propõe-se os seguintes questionamentos: Quais práticas e modificações podem ser descritas acerca da docência brasileira na literatura pedagógica brasileira da segunda metade do século XX? De que modos gênero atravessa e dimensiona estas práticas e modificações? Para compor o material empírico foram selecionados 9 (nove) livros da literatura pedagógica brasileira escritos desde a década de 1960 até os anos 2000. O procedimento metodológico utilizado é a pesquisa documental, assumindo uma perspectiva de olhar para os documentos como monumentos, ancorada nos estudos de dois autores: Michel Foucault e Jacques Le Goff. Esta perspectiva de olhar implica analisar os documentos a partir de sua exterioridade, compreendendo as condições de possibilidade para sua criação. O conceito de problematização também é utilizado como um pressuposto metodológico que permite operar sob a problemática docente analisando suas práticas e modificações em um período determinado. A ferramenta teórica colocada em ação para desenvolver a análise do material empírico é o conceito de gênero, tomando, como aporte principal, as contribuições teóricas de diferentes autoras que integram o chamado campo dos estudos de gênero pós-estruturalistas: Joan Scott, Linda Nicholson, Dagmar Meyer, entre outras. Assim, nesta Tese, mapeou-se três formas de problematização acerca da docência brasileira, que correspondem a períodos históricos específicos: (1) na década de 1960 um movimento de tensão do processo de feminização do magistério brasileiro e o declínio da concepção artesanal-missionária da docência brasileira; (2) nos anos de 1980 um debate entre o compromisso político e a competência técnica que criticava uma docência pautada centralmente nos atributos de amor e cuidado; (3) na década de 1990, as discussões contemporâneas sobre o papel do professor e da professora, um debate que coloca em oposição as noções de transmissão e construção do conhecimento e um questionamento radical sobre o movimento de profissionalização do magistério. A conjunção destas três formas de problematização, em articulação com a ferramenta conceitual gênero, permite sustentar a tese de que, na segunda metade do século XX, o magistério brasileiro passou por um processo de desfeminização, em que saberes técnicos e profissionais foram afirmados a partir de uma negação da absolutização do afeto e de uma afirmação do compromisso político. Portanto, a tese da desfeminização não se sustenta por uma diminuição das mulheres no exercício da docência, especialmente primária, mas busca mostrar como a literatura pedagógica brasileira, ao defender de um lado a competência técnica e, de outro, o compromisso político, buscou apontar para a importância de uma docência que não tivesse em sua natureza (não carregue em si) um a priori feminino.