Resumen:
Além dos avanços que a ultrassonografia trouxe à obstetrícia, ela também possibilitou a socialização do bebê antes do seu nascimento. Logo, as ultrassonografias fetais são consideradas como práticas híbridas voltadas aos domínios profissional e social. Contudo, pesquisas antropológicas interessadas nesses atendimentos (CHAZAN, 2005, 2007, MITCHELL, 2001; TAYLOR, 2008) apontam diversos problemas de comunicação entre profissionais e gestantes durante esses encontros da ciência e da família com o feto/bebê, sendo estas as maiores reclamações: (a) os/as profissionais não explicam as imagens; e (b) as gestantes, passivas à falta de explicação, não solicitam informações, ou perguntam tanto que acabam “atrapalhando” os atendimentos. Contudo, são raros os estudos que investigam como essas interações realmente acontecem (NISHIZAKA, 2014a, 2014b, 2013, 2011). Com base nesse cenário, este estudo objetiva investigar como profissionais e pacientes coordenam (ou não) sistemas semióticos distintos (fala, gestos, imagens e recursos do equipamento de ultrassom) para realizar as multiatividades que constituem as ultrassonografias fetais. Advindo de um projeto maior sobre interações em medicina fetal (OSTERMANN, 2013), o estudo analisa 114 ultrassonografias, gravadas em áudio e vídeo, em um setor hospitalar especializado em gestação de risco no Sistema Único de Saúde. A análise dos dados, amparada pela Análise da Conversa Multimodal, evidencia que a coordenação entre alguns recursos do ultrassom – como o cursor do mouse e as ações de ampliar, estabilizar e congelar imagens, referências verbais e corporificadas – constitui a ação de “mostrar” (no sentido de “fazer ver”) imagens fetais às gestantes. Nesses casos, a atividade de realizar o exame é suspensa e dá lugar à atividade de “socializar o feto”. Por outro lado, há instâncias em que os profissionais descrevem partes fetais verbalmente sem coordenar a fala com a imagem projetada e com uso de referências corporificadas. Essa “não coordenação” entre imagem, fala e gesto revela uma orientação maior para o domínio profissional, i.e., para o exame, sem, no entanto, desconsiderar a socialização desse ser examinado: o feto que, além de ser avaliado clinicamente, também é apresentado à gestante (e acompanhantes) no aqui e agora interacional. Na ausência de explicações voluntariadas pelos/as profissionais, as gestantes (e eventuais acompanhantes) tendem a iniciar sequências interacionais em busca de informações sobre as imagens e a saúde fetal. Os resultados deste estudo apontam diversas contingências técnicas, próprias do contexto de ultrassonografia fetal, que podem interferir na obtenção de respostas das solicitações das gestantes. Por meio da sistematização das atividades interacionais que constituem esse contexto, almeja-se contribuir tanto para a prática dos/as profissionais que lidam com a necessidade de orquestrar diversos recursos verbais, corporificados e tecnológicos para dar conta do hibridismo que constitui as ultrassonografias, quanto para as gestantes e acompanhantes, que, ao menos no contexto desta pesquisa, lidam com a possibilidade de a ultrassonografia ser o único momento em que veem seus fetos vivos.