Abstract:
Os pinípedes são carnívoros marinhos que iniciam sua história evolutiva no Oligoceno médio, em torno de 65 milhões de anos. Eles ocorrem em praticamente todos os oceanos do mundo e vem interagindo com populações humanas desde a pré-história em várias regiões do globo. Para a costa brasileira já foram registradas oito espécies de pinípedes, das quais sete já foram encontradas no litoral do Rio Grande do Sul (RS). A partir da análise de remanescentes ósseos resgatados em sítios arqueológicos, sugere-se que os registros pretéritos de pinípedes na costa do Brasil estariam associados aos depósitos do Quaternário. Para o RS são poucos os trabalhos versando sobre osteologia de pinípedes, na maioria são estudos cranianos com amostras atuais sobre diagnose ou ainda dimorfismo sexual, mas muito pouco relacionado à remanescentes arqueológicos. Neste sentido é necessário um aprofundamento sobre a composição das espécies, abundância de indivíduos, ocorrência e tipo de interação destas espécies com grupos humanos pré-históricos. Para tanto o presente estudo foi realizado em cinco sítios arqueológicos do litoral Norte do Rio Grande do Sul (LNRS), localizados entre Xangri-lá (29°47'23.72"S; 50°02'1824"W) e Arroio do Sal (29°27'0.27"S; 49°49'1.74"W), os quais estavam vinculados á Tradição Sambaqui. O método de prospecção (escavação) seguiu o de cortes horizontais artificiais nivelados, aprofundando verticalmente, formando níveis artificiais sucessivos para assegurar a profundidade e origem dos remanescentes faunísticos. O volume de material prospectado nos cinco sítios variou entre 0,30 m3 e ± 15,18 m3. Neste estudo, foram selecionadas seis quadrículas com remanescentes faunísticos dos cinco sítios para análise, cada uma diferindo em tamanho e espessura estratigráfica arqueológica. Todos os remanescentes ósseos encontrados em cada quadrícula foram coletados nas trincheiras escavadas e levados para triagem e tombamento na Reserva Técnica de Arqueologia do Instituto Anchietano de Pesquisas/Universidade do Vale do Rio dos Sinos (IAP-UNISINOS). Durante a triagem em laboratório foram selecionados para este estudo exclusivamente os remanescentes de pinípedes, com base na comparação com esqueletos de espécimes de espécies atuais e da literatura. Como resultado de riqueza taxonômica sob a ótica da zooarqueologia (NISP), foram encontrados 159 remanescentes de pinípedes nos sítios do LNRS, totalizando um MNI de 17 indivíduos. O sítio RS-LN-19 de Xangri-lá apresentou o maior NISP com 130 remanescentes, unicamente da família Otariidae e com pelo menos duas espécies identificadas (Arctocephalus australis e Otaria flavescens). A análise dos remanescentes ósseos do gênero Arctocephalus revelou o predomínio de indivíduos jovens, e adultos em O. flavescens. Este resultado na composição pretérita das espécies de pinípedes encontrados nos sambaquis no litoral do RS sugere que são as mesmas que ocorrem na atualidade, além de indicar que as antigas populações humanas já interagiam com estes animais. Contudo, não se descarta a hipótese de que otariídeos antárticos e subantárticos também tenham ocorrido na região no passado, já que em alguns casos só foi possível chegar até a identificação de gênero nos remanescentes analisados. Por fim, é importante salientar que em 19,53% (n = 25) dos remanescentes ósseos encontrados, foram identificadas marcas de manipulação antrópica como corte (pequenas incisões oblíquas, transversais e subparalelas) e 5,46% (n = 7) coloração enegrecida possivelmente oriunda da queima. Desta forma sugere-se que as antigas populações humanas do LNRS poderiam utilizar os pinípedes como recurso alimentar ocasional.