Resumen:
Este estudo, embasado teoricamente no Interacionismo Sociodiscursivo, teve como objetivo identificar indícios linguísticos e discursivos que demonstrassem a atorialidade docente, a partir da interpretação feita por professores sobre seu trabalho. A atorialidade é entendida como a característica do actante que tem o papel de ator, ou seja, aquele que demonstra ter capacidades, intenções, motivos e responsabilidade para agir (BRONCKART, 2008, p. 122). Buscou-se compreender as formas como professores interpretam seu próprio agir e o agir de outros participantes do processo de ensino-aprendizagem, bem como apreender as possibilidades de reconfiguração do agir docente, analisando as figuras de ação (BULEA, 2004, 2009, 2010; BULEA, LEURQUIN & CARNEIRO, 2013). Tal análise apontou a existência de uma nova figura de ação, a de avaliação, figura que parece favorecer a expressão da atorialidade docente. Os dados foram coletados em entrevistas semiestruturadas realizadas com duas professoras de língua materna de uma rede pública de ensino fundamental, em dois momentos distintos: antes e depois do desenvolvimento de projetos pedagógicos. Foram selecionados trechos das entrevistas identificados como Segmentos de Orientação Temática (SOT) e Segmentos de Tratamento Temático (STT). A partir dessa categorização, foi realizada a análise textual discursiva sob a perspectiva da arquitetura textual (Bronckart,1999/2012), o que permitiu a identificação e a delimitação das figuras de ação interna e externa. As análises realizadas permitiram propor contextos de expressão de atorialidade, em que o actante demonstra sua implicação no agir, a partir dos quais podem-se inferir os demais elementos que o constituem como ator. Desta forma, percebeu-se que o uso do dêitico pronominal “eu” indica maior grau de responsabilização do professor no discurso, associado a verbos de tomada de responsabilização enunciativa ou verbos dinâmicos. Além disso, as modalizações, com destaque para alguns adjetivos e substantivos, contribuem para intensificar a produção de sentido, pois revelam a subjetividade do actante ao demonstrar peculiaridades do seu posicionamento quanto ao conteúdo temático (KERBRAT-ORECCHIONI, 1997). Por sua vez, a figura de ação avaliação demonstra a reflexão e o ponto de vista das professoras a respeito do seu próprio agir (interna) e também do agir dos demais participantes (externa). Essa figura de ação é caracterizada pelo caráter avaliativo e subjetivo, bem como demonstra forte implicação do professor e sua capacidade de reflexividade. Ao considerar as interações do processo de ensino-aprendizagem, percebeu-se que a articulação de motivos e intenções está associada dialogicamente à presença de outros participantes, que fazem parte do cenário escolar. Enfim, o trabalho realizado mostrou ser possível apreender aspectos reveladores sobre a pilotagem da sala de aula e sua complexidade, uma vez que os professores, ao verbalizarem sobre o seu trabalho, fazem emergir o papel crucial da linguagem que acessa a memória, organiza, comenta, regula as ações e as interações humanas.