Resumen:
Ao inaugurar um modelo de Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, comprometida na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias, a Constituição de 1988 propõe o rompimento de um paradigma ainda vigorante e estabelece um rol de promessas a serem perseguidas. Compreender esse novo panorama implica a necessidade de se ressignificar fundamentos ultrapassados, entre eles os que atribuem à jurisdição uma função declaratória da lei vinculada ao monismo jurídico, do mesmo modo que se reconhece que vivenciamos uma sociedade complexa e policontextural, onde o conflito é elemento presente e, por isso, requer a atribuição de novos sentidos de gestão e de acesso à justiça. A sociedade é locus de análise; nada acontece fora dela. Nesse sentido, há uma reforma silenciosa na justiça brasileira, com implementação de ações que constituem políticas públicas em andamento e uma reconfiguração dos textos constitucionais na América Latina, que introduzem outras formas de tratamentos de conflitos além daquela promovida pelo judiciário, na forma de processo judicial. Tais formas apresentam, aos jurisdicionados, institutos não adversariais, como a mediação, a qual pressupõe a facilitação do diálogo por um mediador de confiança dos conflitantes, entre outros. Institutos como o da mediação demonstram que o poder não existe; o que existe são relações de poder difusas. Isso reforça o fortalecimento das comunidades. A fragilização do poder expõe a resistência a mudanças do subsistema político da sociedade e a insuficiência de seus elementos, especialmente o funcional, que se caracterizava pelo monopólio da jurisdição. A comunidade, por sua vez, apresenta formas diversas, identificando
entre elas uma comunidade cívica constituída e que se constitui pela cidadania participativa, a qual vem ganhando espaço no meio jurídico com programas como a justiça comunitária. Tal cenário evidencia paradoxos que não são resolvidos pelo normativismo, que propõe um processo de tomada de decisão com racionalidade por meio de critérios normativos de validade, o que abre espaço para uma proposta de policontexturalidade, que permite observar, a partir das categorias da teoria dos sistemas, os novos sentidos do Direito e que apresenta um conceito de sentido ligado à pluralidade. Com o objetivo de se analisar esses novos sentidos do Direito, se introduz a perspectiva autopoietica, para identificar aquilo que não poderia ser pensado em uma visão dogmática unidimensional. Assim, por meio do método sistêmico, preconizado por Niklas Luhmann, que não é indutivo nem dedutivo, uma vez que pretende descrever os sistemas (aberto e fechado) e sua relação com o ambiente, é possível identificar
uma nova forma de comunicação do sistema jurídico que pressupõe o reconhecimento da diferença e repele o consenso originado no exame racional das pretensões de validade. Para essa forma, designou-se o termo de jurisdição comunitária, pois fundamenta-se na participação ativa das comunidades e na preocupação com a efetivação do acesso à justiça na contemporaneidade.