Resumo:
A pesquisa problematiza as configurações da identidade cultural em dimensão comunicacional e histórica, no contexto do grupo étnico Kaingang, focalizando os modos de ser dos públicos e suas interações peculiares com as mídias. Nosso propósito é compreender as marcas do ethos midiatizado, nos entrecruzamentos de culturas ancestrais e contemporâneas, tendo como base a expansão da cultura midiática em condições de desigualdade e de exclusão que constituem a nossa complexa diversidade cultural e a sua expressão no campo comunicativo. Tais configurações são investigadas no âmbito dos vínculos com a televisão e das demandas da visibilidade social indígena, tendo como objeto empírico as narrativas que emergem na história de vida comunicacional dos interlocutores/ouvintes/telespectadores/leitores, os quais têm como redes de pertencimento os coletivos kaingang situados nos fluxos da região metropolitana de Porto Alegre. Na coleta e tradução dessas narrativas utilizou-se metodologia inspirada no pensamento intercultural e na hermenêutica dialógica da diferença, que imbrica reconhecimento e redistribuição, valendo-se dos recursos da história oral, da antropologia e do materialismo geográfico humano, para conjugar a pesquisa de recepção em perspectiva crítica e dialética como história social. Nessa compreensão são relevantes as afinidades de matrizes milenares e comunicacionais, como a oralidade e os gêneros televisivos, num conjunto de mediações sociais, culturais, históricas e políticas identificadas na itinerância, na memória coletiva e na organização política dos Kaingang. O sujeito intercultural, portanto, é entendido nas relações de sobrevivência material e simbólica nas cidades, na luta pelos seus territórios e na sua percepção como índios de tradição, e na sua construção histórica como públicos, mediante estruturações de gostos, competência, interpelações e conflitos frente às imagens do índio midiático, que evidenciam os embates para demarcar o seu lugar no campo comunicativo, como ambiência compartilhada e como arena social do sentido. Dessa forma, a identidade cultural é traduzida em multiplicidade constitutiva, articulando luta pela terra e afirmação étnica, através da temporalidade dos telespectadores e cidadãos, na mestiçagem entre culturas ancestrais, globais, locais, urbanas, hegemônicas e contra-hegemônicas, que tecem as formas nativas de visibilidade social no campo comunicativo.