Resumen:
Conhecer a distribuição geográfica das espécies é essencial para compreender como os fatores ambientais influenciam os padrões de biodiversidade. A partir da determinação do conjunto de condições ambientais que afetam essa distribuição, é possível prever mudanças na abundância e na ocupação espacial das espécies. No entanto, as mudanças climáticas têm provocado alterações abruptas nas distribuições, tanto em ambientes terrestres quanto marinhos, representando uma ameaça crescente à biodiversidade. Predadores de topo, como o lobomarinho-subantártico (Arctocephalus tropicalis), são particularmente vulneráveis, pois dependem da abundância e localização de suas presas e da estabilidade de seus habitats reprodutivos, de alimentação e descanso. Este estudo tem como objetivo analisar, sob a perspectiva das mudanças climáticas, os fatores ambientais que afetam a distribuição de A. tropicalis, com ênfase nas suas principais colônias reprodutivas das Ilhas de Tristão da Cunha/Gough (TDC/Gough) e nas ocorrências extra limite da espécie ao longo da costa
brasileira. Para tanto, foram avaliadas séries temporais (1982–2021) de variáveis
oceanográficas na região de TDC/Gough, como temperatura da superfície do mar (TSM),
deslocamentos das frentes oceânicas Subantártica (FSA) e Subtropical limite norte (FSTN) e concentração de clorofila-a (Clor-a), como um proxy de produtividade. As variáveis TSM, FSA e Clor-a apresentaram tendências anuais positivas significativas, enquanto a FSTN demonstrou tendência negativa, indicando um afastamento da FSA e um avanço da FSTN em direção às colônias. Essas alterações podem impactar negativamente as fêmeas lactantes, aumentando as distâncias de forrageamento e afetando o sucesso reprodutivo. Além disso, foram compilados e analisados 656 registros de A. tropicalis na costa brasileira entre 1992 e 2021, com predominância na região Sul (69%) e maior frequência nos meses de inverno austral (julho a setembro). Modelos de associação revelaram que variáveis como sazonalidade (seno e cosseno), profundidade da camada de mistura (PCM) e FSA estão fortemente correlacionadas aos padrões de ocorrência, com influência adicional de variáveis regionais como Clor-a e o
Dipolo do Oceano Atlântico Sul (DOAS) nos registros da região Sul, e o Modo Anular do
Hemisfério Sul (MAS) e o Dipolo Subtropical do Atlântico Sul (DSOAS) nas regiões Sudeste e Nordeste. Esses resultados reforçam a hipótese de que múltiplos fatores ambientais podem afetar as rotas de dispersão da espécie de forma diferenciada ao longo da costa brasileira. Modelos de adequabilidade de habitat indicaram que a distribuição potencial atual de A. tropicalis (valores > 0,7) está concentrada em torno de colônias subantárticas e subtropicais, mas também em áreas ainda não colonizadas atualmente, como Ilhas Malvinas/Falklands, Terra do Fogo, sul do Chile, Ilhas Kerguelen, sul da Austrália, Tasmânia e Nova Zelândia. Projeções da distribuição de A. tropicalis para os anos de 2050 e 2100, baseadas nos cenários climáticos do AR6 (SSP1-2.6, SSP2-4.5 e SSP5-8.5), indicaram um deslocamento em direção as regiões subantárticas e polares e aumento das áreas com adequabilidade moderada (0,5–0,9). Contudo, também foi sugerida uma contração significativa das áreas de alta adequabilidade (>0,9) para
a espécie, especialmente nas colônias atuais de TDC/Gough e Ilha Amsterdam. Os resultados sugerem que as colônias reprodutivas atuais de A. tropicalis se tornarão menos adequadas com o avanço do século, ao mesmo tempo em que novas áreas ao sul da distribuição atual poderão se tornar favoráveis, indicando uma possível expansão geográfica da espécie. Isso inclui a possibilidade de sobreposição com outras espécies de otariídeos e, consequentemente, de eventos de hibridização natural, como os já registrados entre A. tropicalis, A. gazella e A. forsteri na Ilha Macquarie. Por outro lado, a colonização de áreas costeiras do continente sulamericano como novos sítios reprodutivos é improvável, devido à ausência de condições ecológicas adequadas. Fatores como a necessidade de ilhas remotas com substrato rochoso,
prolongado período de lactação, zonas costeiras urbanizadas e sujeitas a distúrbios humanos, além de riscos de predação de filhotes por cães domésticos, limitam severamente o sucesso reprodutivo da espécie nessas regiões. Em conjunto, os resultados indicam que as mudanças climáticas poderão remodelar a distribuição de A. tropicalis, tanto pela alteração de suas áreas reprodutivas quanto pela ampliação da dispersão extra limite.