Abstract:
Esta tese analisa os instrumentos jurídico-administrativos diversos do processo administrativo de demarcação de terras indígenas previsto no Decreto 1.775/96 mobilizados no Rio Grande do Sul, problematizando se essas modalidades asseguram direitos territoriais aos povos indígenas, e como se relacionam com o regime jurídico das terras indígenas, previsto no artigo 231, da Constituição. Verificou-se que as investigações sobre o tema são escassas, apesar da multiplicidade dos instrumentos-jurídico administrativos adotados na práxis administrativa federal, municipal e estadual, e em decisões do Poder Judiciário. Essa constatação justifica a sistematização empreendida, fornecendo as bases para discutir se tais instrumentos garantem direitos territoriais e sua relação com o regime jurídico constitucional das terras indígenas. Para tanto, adota-se o referencial teórico do pensamento descolonial, incrementado pelos aportes conceituais dos estudos antropológicos, discutindo-se o padrão de juridicidade imposto na situação colonial e o marco normativo vigente; os óbices incidentes no processo de demarcação de terras indígenas, como a Lei 14.701/2023, e as agências Kaingang, Charrua, Xokleng e Guarani em ações mobilização e recuperações diretas dos territórios, como nas retomadas no Rio Grande do Sul. A partir de pesquisa bibliográfica e documental, orientada por visitas técnicas e observação participante, identificaram-se nesse contexto as áreas de interesse cultural, cessão de uso e reservas indígenas. Sistematizaram-se também os procedimentose hipóteses que viabilizam tais modalidades, como a desapropriação por interesse social, aquisição direta, doação, compensação no contexto do licenciamento ambiental, dação em pagamento à União de terras públicas estaduais e outras formas de destinação de terras públicas estaduais, municipais e federais. Argumenta-se que para além da análise do marco normativo atrelado aos procedimentos e institutos referidos, a complexidade de sociedades marcadas pela colonialidade demanda compreensão crítica e historicamente situada dos fatores e agentes que influem e ressignificam as relações sociojurídicas no campo dos direitos territoriais indígenas. Para tanto, consideram-se as atuais investidas jurídicas pelo controle e expansão da exploração econômica face às terras indígenas, como a tese do marco temporal da ocupação, a Lei n. 14.701/2023 e noções restritivas de direitos territoriais tratadas no RE n. 1017365. Elementos que inserem os instrumentos jurídico-administrativos diferentes da demarcação do Decreto 1.775/96 num contexto assimétrico e contraditório de disputas, vislumbrando-se, de um lado, potencialidades para a proteção de direitos territoriais pela articulação com estado e municípios, e pela garantia da permanência nos territórios reivindicados. Enquanto de outro, a descaracterização do reconhecimento do direito originário dos povos indígenas pela tradicionalidade se opera com a progressiva inserção da consensualidade, contraprestação, autonomia da vontade e negociação típicos das relações patrimoniais civilistas, preponderando a lógica da propriedade privada sobre a proteção diferenciada dos direitos territoriais indígenas. Desse modo, argumenta-se que multiplicidade de instrumentos jurídico-administrativos e a releitura constitucional de institutos como a reserva indígena podem ser formas de incrementar a garantia de direitos territoriais, considerando a diversidade das formas ocupação indígena e suas próprias articulações em defesa do território, e a complexidade das relações sociais estabelecidas entre povos indígenas e a sociedade envolvente.