Resumo:
Desde o começo da pandemia de covid-19 no Brasil, maior crise sanitária deste século, nos deparamos com a divulgação de notícias falsas e polêmicas sobre a doença e outros temas sensíveis ao país naquele período, como medidas de combate ao vírus, proteção dos povos indígenas, vacinação, os altos níveis de desmatamento da Amazônia, entre outros. Em muitos casos, a produção de discursos polêmicos a respeito dessas temáticas partiu do próprio governo federal, sob o comando de Jair Messias Bolsonaro. As redes sociais desempenharam um papel de destaque na difusão desses conteúdos, sobretudo o Twitter/X, que possui forte presença de políticos e autoridades, sendo palco de debates públicos e confrontos virtuais. Ante essa realidade, é objetivo desta pesquisa investigar marcas da argumentação polêmica nos discursos governamentais de Jair Bolsonaro e do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre covid-19, Amazônia e povos indígenas, publicados no Twitter/X durante o primeiro ano de pandemia do coronavírus no Brasil (de 11 de março de 2020 a 11 de março de 2021), bem como evidenciar os recursos tecnodiscursivos mobilizados por eles para se enunciar, enquanto personalidades políticas, nessa rede social. Também nos interessa identificar e analisar as características do tuíte político e a constituição do ethos tecnodiscursivo de ambos os representantes, além de investigar tuítes que marcam contraposição a uma das manifestações governistas, favorável ao desmonte da legislação ambiental. Para respondermos a esses objetivos, em uma perspectiva ecológica e pós-dualista, baseamo-nos na Análise do Discurso Digital, proposta pela linguista Marie-Anne Paveau (2013a; 2013b; 2021), na polêmica como modalidade argumentativa, a partir dos pressupostos desenvolvidos por Amossy (2017), e na ressignificação tecnodiscursiva (Paveau, 2019a; 2019b) e (Paveau; Lourenço; Baronas, 2021) como ferramenta digital de contestação e resposta a um enunciado afrontoso. Considerando o tuíte político como estratégia para compor um ethos tecnodiscursivo (Longhi, 2013), também propomos um diálogo com o ethos testado pela internet (Maingueneau, 2020) para identificar como se constituem as imagens dos representantes políticos em questão. A metodologia empregada na pesquisa consiste em uma análise qualitativa com base na noção de pequeno corpus, preconizada por Moirand (2020). Diante do exposto, este estudo conclui que os discursos polêmicos promovidos por Bolsonaro e Salles no Twitter/X revelaram posicionamentos abertamente anticientíficos e negacionistas sobre os temas covid-19, Amazônia e povos indígenas. Também identificamos a manifestação de um ethos tecnodiscursivo marcado ideologicamente pelo conservadorismo e pelo pouco apreço às instituições públicas, conforme os representantes se pronunciaram publicamente favoráveis à exploração econômica das florestas e, ao mesmo tempo, contrários à preservação dos biomas e à manutenção das vidas indígenas.