Abstract:
Esta tese versa sobre a filosofia com crianças na escola infantil, com amparo no conceito de brincócio como encontro entre a filosofia e o brincar e como equipagem para uma vida digna. Os autores centrais foram: Sêneca, Foucault, Walter Kohan, bell hooks, Judith Butler, Betina Schuler e Paulo Fochi. O problema de pesquisa que guiou esta investigação foi: como a filosofia com crianças, na escola infantil, pode equipar para uma vida digna? Tendo como inspiração metodológica o encontro da cartografia infantil com a pesquisa com crianças, oficinas de filosofia com crianças foram conduzidas durante seis meses com um grupo de crianças de 4 e 5 anos de idade, em uma escola no município de São Leopoldo (RS). Tais oficinas partiram do brincar cotidiano das crianças, daquilo que elas criavam e faziam diariamente. As questões apontadas pelas crianças foram pensadas com inspiração nos conceitos de cuidado de si e de equipagem (paraskaué), em Foucault; de vida digna, em Judith Butler; e de recém-chegados, em Hanna Arendt. Além desses, no decorrer da pesquisa, foi criado o conceito de brincócio. Esses conceitos foram tomados como ferramentas analíticas de pensamento e de vida. Na
experimentação na escola pública, o medo foi um dos focos de criação de pensamento e
discussão pelas crianças, questão essa que entrou na conversação entre as brincadeiras e os exercícios filosóficos, desdobrados em escutas, desenhos, narrativas, corporeidades, contação de histórias e formulação de perguntas. Algumas regularidades da relação entre o brincar e a filosofia, possibilitadas pelo brincócio como equipagem para uma vida digna, foram evidenciadas na análise: a possibilidade de uma vida passível de luto; uma vida que problematiza a si mesma; e o modo como as crianças são recebidas no mundo/escola. Essas regularidades abriram brechas para considerar questões como o tempo, os espaços, o barulho, o silêncio, a contação de histórias e os livros. O medo, então, deslocou-se de algo ruim e de outro da existência, para algo que necessita ser olhado, cuidado, partilhado com o outro. A equipagem de si e dos demais na dimensão da diferença ocorreu quando as crianças acolheram e cuidaram das suas questões e das questões de seus colegas, fortalecendo-se nesse exercício. A dor, a tristeza, o sofrimento, o abandono, as dificuldades, não foram negados como o outro
da vida, mas considerados para o exercício do pensamento. Tomados pela vida na escola, tornaram-se materialidades para a relação consigo e na dimensão do coletivo. Desse modo, a filosofia com crianças no encontro com o brincar pode proporcionar tempo e espaço que, em vez de perguntar se as crianças entenderam tal coisa, pela ordem do “tu deves!”, acolhem a pergunta “o que tu pensas?”. Com isso, esta pesquisa criou a tese de que talvez uma vida digna na escola infantil possa ser aquela cuja existência é vivenciada pelo brincar, pela escuta, pelo acolhimento, pelo tempo, pelo espaço e pela tomada das coisas da vida como materialidades de pensamento, criação e cuidado.