Resumo:
A Missão das Candidatas é o guia experimental que mapeia a jornada jornalística da mulher na política brasileira. A âncora da pesquisa está no exercício do poder (na política e no jornalismo) enquanto efeito de articulações de gênero: é por meio da atribuição de certezas a mulheres e a homens que as relações hierárquicas são negociadas. No Brasil, a política é a instituição que concretiza os gargalos extremos que situam o masculino e o feminino na condição de antagonistas; há 52% de brasileiras em um país de 53% de eleitoras, que elegeram 18% de candidatas em 2022. Há um Brasil de mulheres governado por homens, em que a presidenta Dilma Rousseff figura como a maior marca do feminino a romper as fronteiras rígidas de um Brasil costurado com pronome masculino. A segregação da maior fatia populacional da esfera da política pública não se dá em vão (Flávia BIROLI, 2018b) , mas enquanto natureza de construções complexas, enraizadas e históricas que condicionam ao masculino a regra da existência e ao feminino a posição de desvio, de outro, de não-homem (Guacira Lopes LOURO, 1997). A amostra da generificação do poder está na ancestralidade e na mitologia, com a produção de arquétipos do inconsciente coletivo que reproduzem as exigências e as limitações de gênero – como a Jornada do Herói, de 1949 (CAMPBELL, 2007), e a Jornada da Heroína, de 1991 (Maureen MURDOCK, 2022). Embora estes roteiros apareçam enquanto dispositivos que inauguram cenários e provocam saberes epistemológicos, há insuficiências para perceber o que é ser herói ou o que é ser heroína. A Missão das Candidatas é uma proposta de avanço destas jornadas de análise teórico-metodológica: por meio de um jornalismo objetivo (na apuração e na ética), mas sobretudo subjetivo (no afeto e na alteridade), a provocação é verificar a fabricação da narrativa jornalística (MOTTA, 2005a; RESENDE, 2009) como agente que também é imbricado por imposições de gênero. As notícias são potências que atravessam o fazer social quando contam as histórias de vida que permeiam o cotidiano (Fabiana MORAES, 2022; Marcia VEIGA DA SILVA, 2010). A proposta da tese, então, é apresentar uma análise sustentada em 24 notícias de 168 exemplares e de 13.486 páginas de dois jornais brasileiros (Estadão e O Globo), por meio da metodologia Marcos de Dilma (em que há a sistematização de uma linha do tempo com datas-chave da história política da ex-presidenta). Como resultado, a pesquisa identifica o arco da Missão das Candidatas a partir de 12 estágios de sentido que servem de guia para perceber como pode ser
construída a narrativa jornalística da mulher na política brasileira. A proposta da tese é patrocinar inquietações para um saber subjetivo, porém comprometido com a informação apurada, digna e horizontal. É nas páginas deste jornalismo que está a produção de um conhecimento justo que explora a dinâmica do poder para homens e para mulheres. A Missão das Candidatas é a amostra de uma narrativa jornalística que constrói a jornada da mulher na política do Brasil. Embora não se apresente como um formulário estático e definitivo, a pretensão é promover uma referência que faça emergir reflexões sobre a conformação do jornalismo em conjunturas que demandem subjetividade para narração da história. Com isso, esta tese de doutorado é estruturada a partir do dever de reivindicar uma narrativa jornalística em que histórias de vida da mulher na política não sejam naturalizadas, condicionadas ou sequer inviabilizadas.