Abstract:
Há cerca de 30 anos a experiência moderna/colonial da América Latina e região do Caribe vem sendo marcada por uma crescente de violências letais contra pessoas do gênero feminino. A este fenômeno denomina-se feminicídio, compreendido aqui como o assassinato de mulheres cis, trans e travestis, cometido por razões de gênero refletindo as estruturas de Estado na América Latina numa interação entre economia, política, gênero e raça. A partir deste cenário, apresenta-se uma pesquisa de abordagem qualitativa etnográfica que analisa feminicídio articulando conexões do nível local ao global a partir da experiência de sujeitos em situação de violência de gênero, mais especificamente que envolvam homicídio ou tentativa de homicídio de mulheres cis, trans e travestis por razões de gênero, no município de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. A tese caracteriza feminicídio como mecanismo de controle e terror dos Estados inseridos na lógica do mercado mundial e do capitalismo desenfreado. Para tanto, teoriza-se feminicídio a partir de conceitos como modernidade/colonialidade, interseccionalidade, gênero/masculinidades, raça/branquitude, neoliberalismo e necropolítica, baseando-se na produção de intelectuais predominantemente situados/as nas Teorias do Sul Global. É proposto o constructo teórico de um continnum de violência patriarcal moderno-colonial, para conceituar um esquema lógico de conexão entre o ciclo de violência contra o gênero feminino a nível interpessoal, institucional e a reprodução
histórica/global de um continnum de violência patriarcal de origem colonial que alcança seu pico na etapa neoliberal, colecionando mortes sistemáticas de mulheres cis, trans e travestis na América Latina. Sendo este um tópico de pesquisa delicado e angustiante, debatem-se também implicações e procedimentos éticos para pesquisadoras e participantes, buscando procedimentos éticos e metodológicos que prezem pela segurança e minimização de danos, assim como promovam benefícios a todos/as participantes. Neste sentido, lança-se mão de técnicas de produção de dados qualitativos como observação participante, entrevistas, diários solicitados e autoetnografia. A partir das narrativas de mulheres cis e trans com experiência ou em situação de violência de gênero, aborda-se o tema desde dinâmicas interpessoais e em relação aos serviços estatais de enfrentamento à violência contra mulheres. Sob a perspectiva de que o sistema moderno-colonial de gênero produz agentes da morte entre os homens colonizados busca-se ainda evidenciar a impessoalidade violenta dos crimes de feminicídio que transcende a pessoalidade jurídica do ato e referenciar no campo etnográfico masculinidades contrastantes. Por fim, buscam-se horizontes de enfrentamento ao feminicídio desde baixo, ou seja, desde a atuação de redes comunitárias de solidariedade entre os gêneros, com vistas aos direitos de todos e todas, e a defesa da vida das mulheres cis, trans e travestis especificamente.