Abstract:
O estudo apresentado tem como foco a constituição do Educandário Amparo Santa Cruz, suas práticas disciplinares e cotidianas, com enfoque nas normas e regras de um espaço destinado a educação dos filhos dos internos com hanseníase nas décadas de 1940 a 1950, no Hospital Colônia de Itapuã (HCI). Os objetivos deste estudo foram: identificar e compreender como foi criado e executado o projeto do Educandário Amparo Santa Cruz; identificar e analisar as normas e regras presentes nesta instituição, assim como as práticas cotidianas enquanto espaço destinado à educação; problematizar a organização e o funcionamento do espaço do preventório e compreender a relação entre Hospital Colônia e Educandário. As metodologias utilizadas neste estudo foram a Análise Documental Histórica e a História Oral, os principais documentos mobilizados foram as memórias de duas mulheres, sendo uma delas uma enfermeira aposentada do HCI e a outra uma egressa do Educandário, o relatório do Amparo apresentado à 2ª Conferência de Assistência Social aos Leprosos na cidade do Rio de Janeiro em 1945, bem como dados estatísticos de ensino, boletins médicos, plantas arquitetônicas e fotografias. Fontes como jornais, ofícios da entidade e do Regulamento dos Preventórios brasileiros de 1941 também foram utilizados. Como base teórica, a pesquisa se inspira nos estudos foucaultianos e mobiliza, sobretudo, Goffman, Certeau, Pollak e Halbwachs. O estudo aponta para a seguintes reflexões: que o Educandário Amparo Santa Cruz vai além de uma instituição educacional, pois não só tinha como objetivo educar, mas também cuidar e zelar pelo bem-estar e saúde das crianças e adolescentes internados, caracterizando-se, portanto, como uma entidade com múltiplas funções. Ademais, o preventório teve seu espaço arquitetorial pensado exclusivamente para atender aos objetivos da instituição e suas políticas de isolamento e separação, usando dos preceitos de cuidado e de educação para justificar as práticas de funcionamento da mesma, que envolviam ainda acompanhamento médico regular e vigilância permanente. Referente à criação do Amparo Santa Cruz, o preventório estava completamente ligado ao Hospital Colônia de Itapuã, sendo que o educandário dependia do hospital para existir. Quanto às práticas educacionais, como técnicas agrícolas, de oficinas e atividades domésticas, essas se apresentam como uma forma de educar as crianças, sendo separadas por idade e gênero, com o intuito de prepará-las para viver em sociedade após a alta. Destaca-se, por fim, a importância das memórias orais para o corpus documental deste estudo, por enriquecer a pesquisa com informações que os documentos escritos não dão conta. Por meio delas, é possível compreender a questão da separação entre pais e filhos, em que as medidas profiláticas resultaram em um vínculo familiar frágil e que, mesmo que as crianças não tivessem a hanseníase, eram atingidas igualmente pelo estigma da doença.