Resumen:
Esta tese investiga os modos testemunhais do sofrimento na contemporaneidade, a partir da configuração de acontecimentos nas redes digitais. Procura-se compreender de que maneira o sofrimento é produzido e reconhecido, considerando o caráter testemunhal e acontecimental dessa experiência. A pesquisa privilegia a análise de imagens e adota os processos midiáticos como operadores de inteligibilidade. Uma intuição cartográfica orienta a construção metodológica, com a apropriação de noções encontradas no trabalho de Walter Benjamin. Propõe-se uma cartografia constituída por três sensibilidades investigativas: perambulação, coleção e constelação – relativas à coleta, arranjo e análise dos dados, respectivamente. A cartografia articula quatro conceitos: sofrimento, acontecimento, testemunho e imagem. O sofrimento é compreendido em sua dimensão social e corporificada, com atenção às suas formas de distribuição desigual. O acontecimento é interpretado por seu poder de afetação, sobretudo nas possibilidades de emergência e reverberação no contexto de redes digitais. O testemunho, enquanto via de elaboração e acesso ao sofrimento, é considerado em sua dimensão midiática, propondo-se uma ampliação da noção de testemunha. A imagem é considerada em seu aspecto agentivo, isto é, a partir daquilo que a imagem é capaz de fazer. Neste caso, elabora-se a ideia de imagem testemunhal. Na relação conceitual, resulta a proposta de refletir sobre imagens testemunhais do sofrimento cuja capacidade operativa faz emergir ciberacontecimentos. Do material colecionado, elegeram-se três casos empíricos para análise: um vídeo produzido por uma adolescente que sofreu cyberbullying e extorsão sexual; um vídeo de uma sessão de tortura e transfeminicídio, produzido pelos agressores e; um vídeo de violência policial letal transmitido ao vivo pelo Facebook. A pesquisa identifica a vinculação entre os estatutos testemunhais contemporâneos e apropriações de práticas midiáticas. Nesse cenário, os atos testemunhais se constituem cada vez mais enquanto imagem, revelando outras condições sensíveis de relação com o sofrimento e a violência. A existência dessas imagens testemunhais revela formas encontradas pelos atores para habitar os mundos das redes digitais, mesmo que estes sejam espaços muitas vezes hostis. Embora esse aspecto seja fundamental para pensar a constituição de comunidades emocionais a partir dos laços de solidariedade e apoio em rede, não se pode ignorar as mediações sociotécnicas e políticas das plataformas digitais, cujas normas chancelam a permanência ou a exclusão de conteúdo. Essas normas tendem a afetar corpos e subjetividades privados de políticas de dignidade e interditados de se mover no mundo.