Abstract:
A proteção da integridade e da diversidade do patrimônio genético e cultural brasileiro foi o objeto central deste trabalho. E neste patrimônio estão indiscutivelmente incluídas não só as sementes, em especial as sementes crioulas enquanto unidades regenerativas primordiais da biodiversidade, como também os conhecimentos tradicionais associados como expressão cultural dos povos tradicionais. Esta proteção se faz urgente em razão da qualidade dos desafios que estão colocados às sociedades contemporâneas no cenário atual de alta complexidade no campo da agricultura. Na cena contemporânea da tecnologia reificada, o espectro da patrimonialização da agricultura paira sobre a segurança deste patrimônio genético. E o que é ainda mais perturbador, sobre a segurança dos processos ecológicos essenciais – as bases da vida – os quais a Constituição da República quer preservados e restaurados pela letra do inciso I do § 1° do artigo 225, impondo essa incumbência do Poder Público a fim de assegurar o direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva de equidade intergeracional. Na compreensão de que a tecnologia – sobretudo a biotecnologia – não é neutra, mas carregada de valores e resultante de um processo histórico da mais alta relevância, incluindo uns e excluindo outros, em que a segurança e a soberania alimentar dos povos é componente essencial, este trabalho quer chamar a atenção para o fato de que sob o manto da revolução tecnológica, uma esfera supostamente neutra, podem estar ocultas intenções de apropriação da natureza em nome do lucro. Mas não só isso: quer também advertir para o fato de que o Estado Brasileiro está faltando com a sua responsabilidade de proteção ambiental, humana e animal quando permite a quebra do resguardo ao Princípio da Precaução e às normas de biossegurança e avaliação e gestão de riscos no que diz com o tema da liberação comercial de organismos geneticamente modificados – OGM’s e seus derivados. O trabalho realizou essa tarefa pela lente da crítica e da observação empírica dos pareceres técnicos lançados nos pedidos de liberação comercial de organismos geneticamente modificados – OGM’s pelos cientistas integrantes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, atualmente o mais importante domínio em biossegurança no Brasil. O exame da racionalidade discursiva vigorante nesse colegiado foi facilitado pela utilização e ferramentas de análise de discurso, mas sobretudo só foi possível pela utilização do relevante conceito teórico denominado de Zona de Autarquia. Por meio deste conceito, foi possível mapear – e revelar – espaços de arbitrariedade no interior da CTNBio, em que a democracia é deficitária e cede lugar a álibis discursivos e operacionais destituídos de fundamentação racional.