Resumo:
Esta tese é resultado de uma experiência etnográfica com três mulheres e um homem, todos Surdos e usuários da Libras, que possibilitaram um acompanhamento de sete meses em campo de pesquisa. Foram apreendidos diversos relatos, por meio de entrevistas e observações participantes, de suas relações com uma sociedade predominante ouvinte. O objetivo central foi de explorar a perspectiva dos Surdos sobre a saúde mental, suas trajetórias de vida e de busca de cuidados em saúde. O primeiro artigo objetivou problematizar como o estigma e noções de deficiência se articulam nas relações familiares e instituições em um processo social que restringe a autonomia e a cidadania de pessoas Surdas a partir de um estudo de caso. A partir das narrativas de Sofia sobre suas experiências com família, educação e trabalho, discute-se o quanto o reconhecimento de sua identidade como mulher Surda envolvia uma busca contínua e complexa pela pertença social, desafiada pelo estigma da deficiência e ameaças a sua saúde mental. Caminhos alternativos de busca de cidadania foram tecidos e sustentados na possibilidade de participação e pertença social com grupos e comunidades Surdas. Debateu-se o desafio social de ampliar a compreensão sobre cidadania na ótica da diversidade e do respeito, refletindo sobre cenários em que a identidade e dignidade dos Surdos são construídas e reconstruídas. O segundo artigo visou compreender as trajetórias de cuidado em saúde de pessoas Surdas, descrevendo experiências e significados associados aos problemas de saúde e à sua rede de apoio. Narrativas de quatro participantes sobre suas relações com o cuidado com a saúde mental foram analisadas. Os dados evidenciaram que a acepção “saúde mental” é tida como sinônimo de mais uma deficiência ou desajustamento frequentemente atribuída aos surdos, gerando experiências muito marcantes de estigmatização, algumas vividas já na infância. Vivências de falta de autonomia para os cuidados em saúde, despreparo e distanciamento das redes formais de cuidado quanto à cultura Surda e um ouvicentrismo social generalizado resultaram em estratégias de evitação, afastando os Surdos de alternativas de cuidado, particularmente na saúde mental. Por outro lado, as comunidades Surdas se mostraram um importante recurso entre os Surdos, indicando que expandir a interlocução com as políticas de saúde poderia ser um caminho para ampliar sua participação social e diminuir iniquidades no acesso a cuidados.