Resumen:
A tecnologia de leito fluidizado é uma das alternativas de maior eficiência e viabilidade para conversões de energia térmica em um cenário de baixo carbono, permitindo o uso de combustíveis com partículas irregulares e alto teor de umidade, como biomassas. Estudos de dinâmica de fluidos de leitos fluidizados fornecem informações valiosas para a concepção e operação destes sistemas. No entanto, a modelagem matemática da fluidização, mesmo para partículas homogêneas, é um assunto complexo: compreende modelar o escoamento do gás, o escoamento dos sólidos e a interação entre eles. No caso de misturas de partículas com diferentes propriedades físicas, prever a dinâmica da fluidização é um grande desafio. É recorrente a utilização de correlações empíricas para determinar parâmetros de projeto, tais como velocidades características de fluidização. O objetivo do presente trabalho foi comparar as velocidades características de fluidização obtidas experimentalmente com predições de correlações da literatura, e verificar quais parâmetros físicos e físico-químicos são mais apropriados para a predição destas velocidades, através de regressão linear múltipla. As biomassas avaliadas foram palha e bagaço de cana-de-açúcar, madeira de eucalipto, casca de arroz e ramos de macieira, em misturas com areia com proporções de 20, 40, 60 e 80 por cento de biomassa em volume. Os materiais foram caracterizados quanto ao seu tamanho médio de partícula (métodos de Sauter e Feret), massa específica real, aparente e aparente compactada, composição química, elementar e imediata, poder calorífico, ângulo de repouso estático, esfericidade e razão de aspecto. Um modelo de reator em escala de bancada, com 94 mm de diâmetro interno, foi empregado para fluidizar as misturas de biomassas e areia. As variáveis medidas foram a vazão volumétrica de ar e a queda de pressão ao longo do leito. A regressão linear múltipla foi realizada no software SPSS 22. A caracterização dos materiais mostrou que as biomassas apresentam composição elementar semelhante, e pequenas diferenças nas composições química e imediata. As massas específicas reais variaram entre 1002 kg/m³ para a palha de cana e 2587 kg/m³ para a areia, e as massas específicas aparentes soltas variaram entre 98 kg/m³ para a palha de cana e 1499 kg/m³ para a areia. O diâmetro médio de Sauter das partículas variou entre 363 μm para a areia e 931 μm para a palha de cana, enquanto que o de Feret variou entre 378 μm para a areia e 2718 μm para a palha de cana. Os testes de fluidização mostraram velocidades mínimas de fluidização Umf entre 0,11 e 0,38 m/s, e velocidades de fluidização completa Ucf entre 0,18 e 0,82 m/s para as misturas. As misturas de biomassa e areia fluidizaram bem em proporções de até 60% em volume de biomassa. Para proporções acima deste limite, verificou-se intensa formação de caminhos preferenciais e a ocorrência de aglomerações no leito. As correlações testadas não foram capazes de prever a Umf e a Ucf em qualquer situação, apresentando grande dispersão nos resultados e erros relativos de mais de 60%. A regressão linear múltipla indicou como parâmetros mais relevantes para a predição das velocidades características de fluidização a massa específica aparente solta e o ângulo de repouso. As correlações propostas em função dessas propriedades obtiveram bons resultados na predição dessas velocidades: o coeficiente R 2 ajustado obtido na predição de Umf foi de 0,782, enquanto na predição de Ucf foi de 0,855. Para a Umf, em 90% das misturas o erro relativo encontrado foi inferior a 24,3%, enquanto para a Ucf em 90% dos casos este erro foi inferior a 22,5%. A proposta do ângulo de repouso como preditor das velocidades características de fluidização é inédita, bem como o reconhecimento da massa específica aparente como parâmetro mais relevante na predição dessas velocidades.